Como eu ia dizendo, o “Financial Times” — que entende tanto de samba quanto eu de corrida de cachorros greyhound — vaticinou que o carnaval não será bom porque os brasileiros não estão em clima de festa. A historiadora Rosa Maria Araújo, que é do ramo, rebate com veemência o vetusto jornal inglês:
— A crise econômica é grave, mas nunca afetaria a alegria da festa, principalmente no coração do Brasil: o Rio. Carnaval é brincadeira. É o momento de esquecer a dureza do dia a dia e cair na folia. O camelô vira marajá, a faxineira vira princesa.
O coleguinha Marcelo de Mello, autor do livro “O enredo do meu samba”, faz suas as palavras de Rosa. Para ele, é uma bobagem considerar a animação dos foliões diretamente proporcional à situação política e econômica do país.
— Pelo contrário, a crise pode até servir de combustível, porque faz parte da mística do carnaval a superação da tristeza.
Mello lembra que, em 1984, fim do regime militar, a Mangueira foi à Praça da Apoteose e voltou, sendo campeã num desfile arrebatador; e que, em 1985, a Caprichosos ironizou a frustração pela rejeição da emenda das diretas no sambão “E por falar em saudade”, que dizia assim: “Diretamente, o povo escolhia o presidente...”
Isso sem falar em dois grandes sambas do Império Serrano cantados em momentos críticos: o primeiro é “Aquarela brasileira”, de Silas de Oliveira, em 1964, em plena agitação que resultou no golpe militar, dois meses depois do carnaval; e “Bum-bum paticumbum prugurundum”, de Aluisio Machado e Beto Sem Braço, em 1982, quando a equipe econômica vivia indo ao FMI de pires na mão. É aquele que diz “Vem meu amor, vem meu amor/Manda a tristeza embora/É carnaval, é folia/Nesse dia ninguém chora...”
Rosa argumenta que a criatividade supera a escassez de recursos para o visual:
— Uma festa não é boa pelo visual, pela comida. Se tem pipoca, cachorro-quente e cerveja, o povo se diverte.
Ela lembra que, nestas três semanas que faltam para o carnaval, centenas de blocos estão empolgadíssimos. Há muitas disputas de sambas (mais marchinhas do que sambas), com obras deliciosas. Há o Simpatia, o Bloco de Segunda, o Tá Pirando, Pirado, Pirou! e tantos outros.
— No desfile principal das escolas, temos os melhores sambas-enredos dos últimos tempos — Ou seja: os barracões estão a mil por hora e as quadras fervilham, argumenta ela.
Em 1912 , uma semana antes do carnaval, o país foi tomado por uma comoção por causa da morte do Barão do Rio Branco. O governo resolveu adiar o carnaval para abril. Como diria o “Financial Times”, não havia clima para festa. Resultado: o povo comemorou o carnaval em dose dupla. No dia previsto anteriormente e no dia oficial.
Aliás, atribui-se ao Barão a frase “Existem no Brasil apenas duas coisas realmente organizadas: a desordem e o carnaval”. Mas isto é outra história.