Ontem, dia em que pipocaram, como nunca, manifestações contra Dilma e o PT, completou 52 anos o famoso comício da Central do Brasil, que reuniu cerca de 350 mil pessoas a favor das reformas, entre elas a reforma agrária, numa época em que o latifúndio improdutivo espalhava miséria no campo. Com cartazes dizendo “Vermelho bom, só batom”, “O Kremlin não compensa” e “Verde amarelo, sem foice e sem martelo”, a reação veio uma semana depois, dia 19, com a primeira Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Instigada pela Igreja Católica, então quase monopolista da fé religiosa no país, e inicialmente batizada de Marcha de Desagravo ao Santo Rosário, a romaria carola e de foco anticomunista reuniu 500 mil pessoas, inclusive Ulysses Guimarães, e terminou incensando o golpe de 64.
Ao invés de fazer um mea culpa, mea maxima culpa, sem disfarces e reconhecer humildemente que perdeu as ruas e o apoio popular, como mostram as pesquisas, a congregação petista procura desqualificar os atos de ontem, como se fosse uma reedição das Marchas da Família. Intelectualmente, comparação nada mais desonesta, embora ambas fossem puxadas pela classe média — como quase todas as manifestações de caráter ideológico da história republicana —, e contassem com o apoio de boa parte da elite econômica, formada por brasileiros em pleno gozo dos seus direitos políticos. Salvo uns poucos, como Jair Bolsonaro — uma espécie de Rubinho Barrichello da política, porque, atrasado, que está com a cabeça na guerra fria dos anos 1950 e 1960 —, ninguém foi para as ruas ontem pedir a volta da ditadura.
A rua ontem estava cheia de brasileiros que não se conformam com o aumento de quase 100% da conta de luz e com um governo, à la Medeia, que matou a Petrobras e quebrou o país. A rua foi tomada por nosso povo com nojo e asco da roubalheira revelada pela Lava-Jato. A rua foi ocupada por cidadãos que pedem um basta nas relações promíscuas entre empresários e políticos, herança colonial a que o PT, inclusive Lula, aderiu de forma famélica. Alguém acha mesmo que os empreiteiros gastariam uns R$ 40 milhões com consultorias de Zé Dirceu se ele fosse, digamos, um “coxinha” e não tivesse amigos influentes em Brasília?
Vladimir Palmeira, fundador do PT, e que foi o maior líder de massas que a rua conheceu, definiu esta questão ainda na época do mensalão, em 2005, na carta em que comunicava ao partido seu desligamento: “Não se pode acreditar que um empresário qualquer começasse a distribuir dinheiro grátis para o partido. Exigiria retribuição, em que esfera fosse.”
Elementar, meu caro Lula.