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'O difícil convívio social em tempos de cólera política'

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Ana de Hollanda é cantora e ex-ministra da Cultura


“Tenho passado, recentemente, por situações constrangedoras e, reconheço, inusitadas para a naturalidade com que me relaciono com conhecidos ou mesmo amigos que não vejo com frequência. Muitas vezes, um encontro inesperado em si já me traz desassossego, pois não sei se a conversa vai fluir tranquilamente ou tomará caminhos espinhosos. As primeiras palavras costumam servir para sondar os respectivos estados de espírito. Normalmente não demora a entrarmos na questão do imbróglio político que tensiona o país inteiro. A grande maioria dos meus conhecidos é formada por gente arejada, progressista, esquerdista ou de centro-esquerda. Com esses, geralmente falo, escuto, troco ideias, ou a falta delas, e nos despedimos com as mesmas dúvidas, sem maiores crises. Mas tomo cuidado porque nunca sei como o outro vai encarar o assunto. Em algumas situações extremas fui obrigada a me afastar, dolorosamente, de antigos amigos devido às ofensas pessoais dirigidas a mim ou a pessoas ligadas a mim. Trata-se de personalidades intolerantes que, por eventuais divergências ideológicas, não medem o grau da rusga, muitas vezes irreversível. Hostilidades explícitas, onde nunca esperei presenciar esse tipo de atitude, levaram-me a pensar duas vezes antes de aceitar um programa, assim como um candidato a “amigo” nas redes. E por aí tornou-se comum se hostilizar em público e elogiar no particular. Não acredito ser isso um mero sintoma de mau-caratismo mas, possivelmente, uma fraqueza de quem não tem segurança quanto a suas posições, nem coragem para contestar o grupo ao qual optou por se identificar.

O pior mesmo é que, nesse quadro, não sei se a hostilidade vai partir de stalinistas de direita ou fascistas de esquerda. Só sei que o mais difícil, hoje, passou a ser a simples defesa da democracia alertando contra os golpes que se ameaçam, sem que para isso se deixe de reconhecer os erros cometidos. Mais do que certezas, tenho dezenas de dúvidas, porém garanto, nenhuma que indique tendências conservadoras e reacionárias. Aliás, nem tenho mais idade para mudar de lado. Não acredito em heróis, mas confio na responsabilidade coletiva, a quem cabe, passado o furacão, reunificar esse complexo e fascinante país dividido entre homens, mulheres, brancos, pretos, crentes, ateus, esquerda, direita, ricos e pobres.”


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