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Artigo sobre Crivella: 'É como se Dom Orani pedisse licença da igreja e fosse candidato'

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Igreja Universal do Reino da Política

O senador e engenheiro Marcelo Crivella, carioca, 58 anos, é um homem cordial. Educado, cavalheiro e afável. É um moço de fino trato, como se dizia antigamente. Acho, honestamente, que ele tem o perfil daquele tipo, como dizia Tancredo Neves (1910-1985), de “político bom para casar com a filha da gente”. A sua fala mansa, suave até, lembra pelo timbre a de muitos sacerdotes, o que no seu caso talvez seja herança do tempo em que foi missionário na África por dez anos. A missão ajudou a igreja fundada por seus tios Edir Macedo e R. R. Soares, em 1977, a se tornar um potentado mundial — uma multinacional brasileira da fé.

A Universal importou o modelo americano de telepastor e montou sua própria rede de comunicação (TV Record, a segunda maior do país). A exemplo de pastores de outras correntes neopentecostais, Crivella também entrou para a política. A máxima antiga de que “crente não se mete em política” ou “política e religião não se misturam” foi substituída por “irmão vota em irmão”, que está no DNA da forte bancada evangélica. Repete a fórmula adotada no passado pela Igreja Católica, que criou, em 1933, a Liga Eleitoral Católica (LEC). Hoje, a igreja do Papa Francisco é “um organismo apartidário”, como disse esta semana o cardeal Dom Orani, que tem recebido educadamente visitas de políticos, inclusive de Crivella.

A Universal também copiou da Igreja Católica medieval um modelo mais sofisticado, diga-se, da abominável indulgência. Durante o pontificado do Papa Leão X (1513-1521), essa prática atingiu o seu auge. A fornicação era, por exemplo, “perdoada” com o pagamento de 219 moedas da época.

A igreja do bispo Macedo, com base em textos religiosos, convoca as pessoas a contribuírem com dinheiro, o que ajudaria a obter a misericórdia divina. As pedras importadas de Israel para a construção, em São Paulo, do Templo de Salomão — maior espaço religioso do país e reprodução do primeiro templo citado pela Bíblia — foram compradas com grana de muita gente que vive abaixo da linha da pobreza. Por outro lado, diga-se a seu favor, a Universal ajudou com sua pregação religiosa, notadamente nas zonas mais pobres, a moldar um caráter melhor dos seus fiéis, acho. E isto não é pouco.

Neste contexto, o papel de Marcelo Crivella na Universal sofreu mutação. No início, até pela sua bagagem intelectual, pensava-se que ele seria o delfim, o herdeiro da “igreja da família”. Depois da vida de missionário na África, ele retornou ao Brasil, onde fez uma carreira de sucesso como cantor gospel. A parte política foi entregue a outro fundador da Universal, o bispo Rodrigues. Só que o tal bispo acabou preso, envolvido em vários casos de roubalheira. Crivella assumiu esta tarefa e começou sua carreira política não como candidato a vereador de Rio das Flores, berço fluminense da sua família, mas concorrendo já para o Senado, derrotando os medalhões Leonel Brizola e Artur da Távola. Soube aproveitar o fato de que, entre os fluminenses, 29,37% se declaram evangélicos, enquanto a média nacional é de 22,16%.

Agora, pode se tornar a primeira autoridade religiosa evangélica a comandar uma metrópole do tamanho do Rio. É claro que, antes, tem de enfrentar a rejeição — que já foi bem maior no passado — pelo vínculo de sangue com a Universal. Para isso, licenciou-se da igreja e omite em sua propaganda eleitoral qualquer referência a ela. O senador fluminense se defende dizendo ser vítima de preconceito contra evangélicos, o que existe, em parte, na elite ligada ao catolicismo. Só que ele não é um evangélico qualquer. É da cúpula da igreja. É como se Dom Orani pedisse licença da Igreja Católica e, com a ajuda das 260 paróquias do Rio, fosse candidato a prefeito.

E olha que Dom Orani não é sobrinho do Papa.

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Desculpe a gabação. A imprensa não é santa. Longe disso. Mas não custa, outra vez, reconhecer o papel do jornalismo investigativo, com denúncias contra Eduardo Cunha desde 1999, quando ele assumiu a presidência da Cohab, no governo Garotinho. Faço a louvação aos coleguinhas Chico Otavio, Agostinho Vieira, Arnaldo César Ricci Jacob, Augusto Nunes, Carolina Brígido, Jorge Moreno, José Casado, Leandro Fortes, Maiá Menezes, Marceu Vieira, Marcos Sá Corrêa, Merval Pereira, Rodolfo Fernandes (saudades!), Simone Ruiz e tantos outros processados pelo indigitado.

(Artigo publicado em O GLOBO na edição de 16/09/2016)

Marcelo Crivella


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