O ano caipora
O potiguar Luís da Câmara Cascudo (1898-1986), folclorista maior, descreve o caipora, crendice popular de origem tupi que já foi muito famosa no sertão, como sinônimo de ter azar, sorte madrasta ou de ser perseguido pelo destino. Parece o Brasil de hoje. Nosso Zuenir Ventura escreveu “1968 — O ano que não terminou” sobre o ano rebelde que começou a favor da luz e terminou nas trevas. Outro coleguinha, Joaquim Ferreira dos Santos respondeu com “Feliz 1958: o ano que não devia terminar”, sobre o período dourado de JK, a Copa do Mundo da Suécia e o primeiro disco de bossa nova.
“O ano que já vai tarde” é, acho, a melhor tradução de 2016, marcado, parodiando Castro Alves (1847-1871), o poeta dos escravos, por “muito horror perante os céus”.
Só que nossos dramas pouco devem ao Sobrenatural de Almeida, o fantasma criado por Nelson Rodrigues (1912-1980), responsável por tudo de ruim que ocorria com seu Flu. O país colhe o que planta. Foi assim no caso do vírus zika e no rompimento da barragem da Samarco, heranças malditas do ano passado, ambas produtos de nossas antigas misérias e do descaso, o que nos devolve ao país subdesenvolvido que continuamos sendo. O atraso e a incúria também — mas, no caso, da Bolívia — estão na raiz desta tragédia com a Chapecoense.
A desgraceira econômica do Brasil não foi provocada por nenhum terremoto como o que destruiu Lisboa, em 1755, ou o Haiti, em 2010. A ruína foi produzida por nós mesmos. No campo político, pode-se atribuir ao acaso um ou outro exemplo, como José Sarney ter assumido em 1985, com a morte do Tancredo. Mas é nosso sistema político esgarçado, e só ele, responsável pelas constantes avarias nas instituições, como os dois impeachments em menos de um quarto de século.
Para não ser totalmente pessimista, louvem-se ações promovidas neste 2016 e no ano passado que desbarataram várias quadrilhas poderosas que meteram a mão no meu, seu, nosso dinheiro. Ações que levaram à cadeia figurões da República (o que não era comum por aqui). Isto não é pouco.
Em tempo: para quem acredita em caipora, hoje, quinta-feira, é o dia da semana em que o povo da minha terra deixa fumo de corda ao lado de tronco de árvore para escapar do azarento.