Hoje delícias da vovó, compotas e conservas já foram necessárias para a sobrevivência dos primeiros portugueses que vieram ao Brasil. É que, imagine: quando a turma chegou, meio que era tudo “mato”. A comida não era o que tinham por lá — os próprios bichos eram diferentes e havia, claro, uma necessidade calórica para sustentar todo o trabalho braçal. Não dava para importar: além de caro, era difícil manter os alimentos conservados na viagem. O que fazer, então?
Segundo “Saborosos, sadios e digestivos: o discurso médico presente no consumo de frutos, conservas e compotas na América portuguesa do século XVI” (“História, Ciências, Saúde — Manguinhos”), estudo recém-concluído de Christian Fausto dos Santos e Julianna Morcelli Oliveros, da Universidade Estadual do Maringá, a solução foi consumir os frutos com... açúcar. Maracujá, araçá, banana, umbu, caju... e por aí vai. Mas não só por causa do sabor. O açúcar ajudava, por exemplo, a conservar as frutas. E tornou possível estocá-las — e até levar para a Terrinha.
Além do mais, os portugueses não conheciam muito bem nossos frutos. Por vezes, partiam um abacaxi verde — e o gosto, convenhamos, não é muito bom. Naquele ambiente, “o desperdício de alimentos era algo impensável”, escreveram os pesquisadores. Por isso, sustentam, o consumo desses doces estava longe de ser “guloseima”, mas, sim, uma “necessidade fisiológica”.
Mas não é que eles passavam o dia inteiro só comendo compota, também. É que, “assim como carnes e farinhas, doces também eram considerados, durante as refeições coloniais, itens primordiais”. Serviam para “selar” o estômago após as refeições.
Havia ainda a questão médica — e, com isso, um paradigma a ser quebrado. Na Europa, até o século XVII, frutos eram “elementos altamente condenados pelos físicos, cirurgiões e boticários” — manuais de medicina recomendavam “parcimônia” com melões, por exemplo, porque suas “propriedades úmidas e frias poderiam gerar um desequilíbrio” que poderia virar enfermidade.
Já a adição de açúcar era vista como algo de “caráter medicinal” — evitava, por exemplo, que as frutas “apodrecessem no estômago, causando gases e refluxos”.
A turma, contudo, acabou exagerando um pouco na dose. Há relatos de conservas feitas até com... alface.
Mas essa é outra história.