Assim como as chuvas de verão podem cair no outono, o “Maio de 1968” — como a História costuma se referir ao início das rebeldias que abalaram o mundo naquele ano — ocorreu, no nosso caso, em março. É o que mostra, neste miniartigo, Carlos Fico, professor Titular de História do Brasil da UFRJ. Ei-lo:
“Há coincidências na História? Ou as coisas acontecem por acaso? O maio de 1968 francês (foto) é famoso, mas seu equivalente brasileiro já havia se iniciado no mês de março. No caso da Argentina, poderíamos falar no Cordobazo, que foi em maio, mas de 1969. Em relação aos EUA, olhando em retrospectiva, parecem unificadas num influxo libertário as manifestações contra a guerra do Vietnã, a iniciativa Black Power e a explosão hippie, mas havia muitas diferenças os movimentos. Houve também outros 1968, nos países do leste europeu, menos conhecidos e marcados pelo nacionalismo e pela defesa da democracia.
Por isso, não convém estabelecer correlações mecânicas, como se todos os que protestavam contra a morte de Edson Luís nas famosas passeatas brasileiras estivessem inteiramente antenados com o que ocorria ou ocorreria em Paris. Temos depoimentos de participantes que nos contam que só teriam notícia da ‘noite das barricadas’, no Quartier Latin, muito tempo depois. Entretanto, vínculos sutis e efetivas correlações podem ser estabelecidos. A pílula anticoncepcional deu grande impulso ao florescente feminismo. O movimento pelos direitos civis, os atos contra a guerra do Vietnã, as lutas políticas em favor da democracia e contra as ditaduras associavam-se a comportamentos libertários relacionados ao rock, ao uso de drogas e aos hippies.
O ‘nosso maio’ de 1968 se estenderia da passeata de 28 de março, quando 50 mil pessoas protestaram contra o assassinato de Edson Luís, até a famosa Passeata dos Cem Mil, em 26 de junho. De entremeio, vários protestos pelo Brasil. Mas, depois, apenas provocações da linha dura (depredação de teatro, atentado à bomba, invasão de universidade, sequestro de atriz). A escalada de pressões, como se sabe, terminaria mal, com o AI-5. Em História, não há respostas simples. Não houve influência do maio de 1968 parisiense no caso brasileiro. Mas o que se passou no Brasil, entre março e junho, se integrava evidentemente naquela conjuntura geral de liberdade.”
Carlos Fico é Professor Titular de História do Brasil da UFRJ