E ASSIM SE PASSARAM 44 ANOS
Sabe aquele hotel abandonado que se vê de São Conrado, no Rio, lá no meio da Mata Atlântica, na Estrada das Canoas? Sabe Iris Lettieri, 74 anos, a locutora oficial do Galeão/Tom Jobim, primeira mulher a apresentar um telejornal no Brasil, cuja voz foi tombada por Paes, em 2014, como patrimônio imaterial da cidade? Pois bem. O que eles têm em comum? É que suas histórias se cruzam numa das mais longas batalhas judiciais já travadas no Brasil que, após 44 anos, teve enfim uma solução, na última semana.
Os cotistas — e herdeiros, como é o caso de Iris, visto que muitos dos originais já faleceram — do Gávea Tourist Hotel (foto), aquele prédio abandonado de 16 andares, começaram a receber suas indenizações. A guerra judicial se arrastava desde 1972.
Já a história do natimorto hotel começou bem antes, em 1953. Uma incorporadora, a Califórnia Investimentos, vendeu mais de 11 mil cotas do prédio. Era assim: quem comprasse teria direito de se hospedar até 15 dias por ano no hotel, além de ter uma participação no empreendimento. Houve quem, empolgado, comprasse até 48 cotas.
O projeto previa, além dos 480 apartamentos, até um... teleférico. As obras começaram, arrastaram-se um pouco, mas, em 1965, chegou até a rolar um réveillon para umas mil pessoas numa boate que, apesar do hotel ainda em construção, funcionava nos últimos andares. Só que, em março de 1972, a construção... parou.
— O que aconteceu foi um golpe imobiliário contra os investidores. A Califórnia vendeu o hotel para dois cúmplices, que transferiram no mesmo dia o conjunto arquitetônico ao Grupo Lume, de forte poder econômico na época — disse o advogado João Frederico Trotta. Foi o pai dele, Fredímio Trotta, já falecido, quem começou a luta, ainda em 1972, contratado então por uns 500 dos cotistas lesados.
Em 1977, foi decretada a falência da Califórnia. E o patrimônio da empresa era de... zero. Ou seja: não havia massa falida. Após muita briga na Justiça, o Gávea Tourist, enfim, foi para o patrimônio da massa falida. Em 2011, o hotel foi vendido por R$ 30 milhões (valores da época) à F.J. Produções Ltda., de Brasília, que prometia terminá-lo para ser usado ainda nos Jogos. Como se sabe, não aconteceu.
Mas, finalmente, em 11 de dezembro passado, a 5ª Vara Cível do TJ do Rio decidiu que os R$ 30 milhões da venda poderiam ser divididos entre os cotistas, para o pagamento das indenizações. Iris e outros 134 cotistas começaram a receber (em média, R$ 16 mil por cada cota) na terça-feira passada. Os demais receberão ao longo do ano. “É algo que só acontece neste país. Recebi as cotas como herança quando tinha 17 anos, após o falecimento de meu avô materno”, conta a “voz do aeroporto”:
— Façam então as contas: este ano completarei 75 anos. Essa é a Justiça brasileira. Ainda tive sorte, pois muitos já morreram.
Faz sentido.