Lula e seus demônios
Boa parte da plateia que vai assistir a “Caravanas”, a nova turnê de Chico Buarque, tem cantarolado “Olê, olê, olê, olá/Lula, Lula”. Sempre se pode dizer — e é verdade — que aquele público que pagou ao menos R$ 220 para assistir ao grande artista e simpatizante petista não é representativo da sociedade brasileira. Mas é verdade também que Lula, desde que resolveu politizar o julgamento no TRF-4, tem conseguido recuperar um pouco dos corações e das mentes de sua militância, notadamente da classe média. Ainda assim, essa militância não conseguiu, ontem, encher as ruas, como ocorria em outros carnavais.
Vamos combinar que Lula não tinha muita saída. Ele, como todo mundo que acompanha a Lava-Jato, sabia de antemão que muito dificilmente seria absolvido. Afinal, Porto Alegre vem referendando nove em cada dez decisões de Curitiba. Desde que foi marcado o julgamento de ontem, Lula tinha, então, duas opções. Uma era ir calado para o matadouro gaúcho. A outra, que prevaleceu, foi botar o bloco na rua. Vem daí a volta das caravanas por todo o país e a montagem de uma rede de apoio à sua causa aqui e no exterior. Essa mobilização não deve refluir com a condenação de ontem. Talvez até aumente a partir de hoje.
Ou seja: Lula conseguiu fazer as pazes com a militância. Falta fazer as pazes com sua biografia.
O que ficou claro nas mais de nove horas de julgamento de ontem, em Porto Alegre, é que o nosso maior líder popular, e que tem uma admirável capacidade de sobrevivência, é, entretanto, promíscuo, para dizer o mínimo. Nomeou para a Petrobras uma diretoria cheia de gatunos.
Também impressionou no voto dos três desembargadores como Lula era queridinho e íntimo de Léo Pinheiro, da OAS, assim como de outros empreiteiros. Aceitou favores mesmo sabendo que essa turma não tem amigos políticos. Tem interesses.
É esse tipo de fantasma do passado que Lula terá de carregar pelo resto da vida.
(Artigo publicado na edição de 25/01/2018 de O GLOBO)