Por Ana Cláudia Guimarães e Tiago Rogero
“A casa inventada” (Record), o novo livro de Lya Luft, a grande escritora brasileira, nasceu “órfão, com a mãe incapacitada”, nas palavras da autora gaúcha. É que o lançamento estava marcado para novembro de 2017 e, no dia 2 daquele mês, o filho do meio dela, André, 51 anos, morreu após sofrer uma parada cardiorrespiratória, em Santa Catarina. “Cancelei todos os lançamentos, autógrafos, viagens e palestras. Mas vejo que meus fiéis leitores tomaram o livro no colo e o estão ajudando a andar”.
O livro não é uma autobiografia, nem um relato em terceira pessoa. Flutua entre romance, ensaio e “autoficção”. Os capítulos são como “cômodos” da casa onde a escritora foi criada, em Santa Cruz do Sul. Tem um pouco de ficção e um pouco de memória, passeando pelo tempo. “Em vez de romance, é uma dessas conversas com o leitor, um ensaio não-acadêmico, como ‘O rio do meio’ (1996) e ‘Perdas & ganhos’ (2003). Falo, em parte, sobre criar a própria vida, com as próprias escolhas”.
O nome, aliás, seria outro: “A caixa de Pandora”. Mas, em tempos de Lava-Jato, Lya não queria qualquer associação com aquela operação homônima, no DF, que revelou o esquema que ficou conhecido como o “Mensalão do DEM”. Por falar nisso, com as eleições batendo à porta, a escritora não vê outro caminho a não ser... “votar melhor”. “Não há outro jeito de mudar a situação vergonhosa de um país corrupto, miserável, insano, iludido, dançando à beira do abismo de festa em festa. Sou dura nisso: a realidade assusta”.
A escritora segue também trabalhando como tradutora. Este mês, sai pela Record “A mulher na escada”, de Bernhard Schlink, traduzido por Lya. “Tenho procurado me pegar no colo, como dizem, porque são tempos difíceis. Morte de filho é brutal. Minha âncora são os afetos, amizades especiais, família, parceiro, até leitores. E minha crença de que existe outra vida e meu filho está nela, perto de mim”.
André, filho de Lya com o linguista Celso Pedro Luft, era engenheiro agrônomo, trabalhava em Moçambique. Quando criança, gostava de escrever verbetes, sozinho. Como este:
Bonito:Bonito é aquilo que não é feio. Meu pai, minha mãe, meus irmãos e eu somos todos bonitos. Mas o mais bonito de tudo é o mundo que Deus fez.
“Esse era, é, o André. Sem mais palavras”.