Na última quinta-feira, 5 de abril, completou 50 anos o dia em que mundo acordou com um manifesto que pregava o que, na época, tinha o nome de socialismo com rosto humano. Mas a proposta de casamento entre o comunismo e a democracia na Tchecoslováquia, sob o comando do reformista Alexander Dubcek, não passou de uma doce ilusão. Se tivesse sido exitosa — ela foi esmagada pelos tanques da ditadura soviética —, a história do socialismo e da própria URSS talvez poderia ter sido outra, pontua, neste artigo, o historiador Daniel Aarão Reis:
“O manifesto dos intelectuais suscitou grande esperança na Tchecoslováquia e nas correntes socialistas democráticas, pois as reformas em curso ganharam com ele um grau novo — e alto — de legitimidade. A chamada ‘Primavera de Praga’, iniciada em janeiro de 1968 com a ascensão de Alexander Dubcek ao poder central, destinava-se a conferir um ‘rosto humano’ ao socialismo. O que isso queria dizer? Liberdade de pensamento e de expressão, atenuação do centralismo na economia e margens de autonomia inexistentes até então. Assinado por quem não era próximo ou tinha se afastado do regime, o manifesto validava, pela sociedade civil, as iniciativas do regime.
Praga tornou-se a capital de um socialismo alternativo. Avolumaram-se as tensões com a URSS. O desfecho veio rápido. Em agosto, numa operação militar liderada por Moscou, o país foi invadido.
O povo tchecoslovaco foi para as ruas, empatando o caminho dos tanques soviéticos, mudando placas de ruas e avenidas para confundir os invasores. Alguns chegaram a imolar-se, incendiando seus corpos em protesto indignado contra aquela infâmia. Mas uma resistência armada teria significado um massacre sem remissão. A invasão prevaleceu, dando origem à chamada ‘doutrina Brejnev’, do nome do secretário-geral do Partido Comunista da União Soviética. Estabelecia-se por meio dela a ‘soberania limitada’ dos países socialistas: eles poderiam fazer tudo, desde que obtivessem autorização da URSS.
Morreu, assim, uma experiência promissora. É sempre difícil fazer uma história contrafactual, mas se tivesse êxito, a história do socialismo e da própria URSS poderia ter sido outra. Fechou-se ali um horizonte, perdendo-se uma chance histórica. Os desdobramentos, com a derrubada do muro de Berlim e o abandono do socialismo em toda a Europa Central e na própria URSS, falam por si mesmos”.